
Crescimento Não Solicitado
“Uma criança é uma criança, não é um pateta.”
Sophia de Mello Breyner Andresen
Apanhei esta frase na biografia de Sophia de Mello Breyner de Isabel Nery. A escritora do Campo Alegre decidiu que os livros infantis que tinha disponíveis infantilizavam de forma excessiva a narrativa, e decidiu escrever ela própria um conjunto de histórias para os filhos, que todos acabámos, de uma forma ou de outra, por beneficiar.
A inquietação de Sophia face à infantilização excessiva das crianças permanece tão urgente hoje como no seu tempo. Uma análise na diagonal da oferta de livros infantis de uma qualquer FNAC ou Bertrand mostra que se privilegiam cada vez mais as formas, as cores e as texturas e cada vez menos a narrativa, a mensagem e a metáfora.
Se, por um lado, as crianças parecem ter menos espaço para serem crianças — esmagadas por expectativas, cronogramas e pressões que lhes antecipam a vida — por outro, o mundo exige delas aquilo que muitas vezes não lhes damos: autonomia, colaboração e pensamento próprio.
Cristalizaria este problema da seguinte forma: como é que podemos criar futuros adultos que ainda vão ser crianças durante algum tempo?
Mesmo enquanto adulto (-ish), há dias em que me sinto infantilizado. E outros em que, confesso, me deixo levar pelo conforto de o ser. Há algo de sedutor na entrega à passividade, na ausência de peso. É mais fácil “fazer ó-ó” do que dormir.
Quando terminei a sua biografia, decidi comprar a obra infantil completa de Sophia para ler com as minhas filhas — começando pela mais velha, que já mostra interesse por histórias, mas que também tem uma livraria completa de contos absurdos dos animais da quinta.
Confesso que tive algum receio que os livros fossem exageradamente complexos para uma criança de apenas quase 3 anos. Mas para minha surpresa — e é absurdo que tenha sido uma surpresa — a Madalena adorou ler A Menina do Mar. E está a adorar ler A Fada Oriana. E tenho a certeza que vai adorar ler O Cavaleiro da Dinamarca.
E da mesma forma que se diverte imenso a ouvir estas histórias com uma lanterna debaixo do cobertor — o nosso castelo antes de dormir —, fica muito contente a ajudar a pôr a mesa, a cozinhar ou a arrumar a roupa.
Há uma corrente de pensamento estóica que defende que, de vez em quando, devemos permitir-nos ser patetas. Para nos lembrarmos de que não somos tão importantes quanto o nosso orgulho nos faz crer. Para rirmos de nós mesmos e darmos ao mundo a leveza que ele nos rouba.
Quero criar as minhas filhas nesse limiar — onde a infância não seja apressada nem subestimada. Onde se confie nelas o suficiente para lhes dar desafios, e se respeite a sua curiosidade sem a sufocar com condescendência. Onde o crescimento aconteça ao seu ritmo, com espaço tanto para a responsabilidade como para o encantamento. E onde, bem no centro desse diagrama de Venn, haja sempre um pequeno círculo de patetice — porque a leveza não é o contrário da maturidade, mas parte essencial dela.