
Como é que se resolve um problema como o João
Neste texto, vou tentar explicar porque é que comecei este blog para partilhar a minha perspetiva sobre a parentalidade. E começo, naturalmente, com uma referência ao Música no Coração.
A personagem principal do filme, interpretada por Julie Andrews, é apresentada através do tema a quem empresta o nome: Maria. Na cena, um grupo de freiras que partilham o convento com a noviça tenta perceber como é que se “resolve um problema como Maria” ao pesarem exaustivamente os defeitos e as virtudes da visada.
“Ela está sempre atrasada para a capela,
Mas a sua penitência é real.
Ela está sempre atrasada para tudo,
Exceto para qualquer refeição.”
Não é difícil simpatizar logo com a Maria. Mas continuando.
Milagrosamente (para me manter no tema), vi o filme pela primeira vez no mês passado. Chamo-lhe milagre por duas razões:
- A absoluta improbabilidade de ter visto este filme – provavelmente o que mais vezes passou na televisão portuguesa – pela primeira vez, em 2024.
- O facto de ter conseguido fazer um plano de quase 3 horas ininterruptas, apesar da recém-nascida e da toddler cá de casa.
Mas não é para me gabar ou canonizar que trago este tema. A estrutura da música – que assenta num ping-pong de elogios e acusações como “ela é querida, ela é um demónio, ela é um cordeiro, ela é pior do que qualquer praga” – lembrou-me da única avaliação que me recordo da escola primária (o facto de ter sido num colégio de freiras é apenas uma coincidência oportuna):
“O João é bem comportado, dedicado e inteligente. Mas é muito trapalhão.”
Não me lembro de ter dado grande importância a isto na altura. Afinal, não era nada que todas as pinturas fora das linhas, recortes mal feitos e cola espalhada constantemente pelas mãos não indicassem, até para uma criança de 6 ou 7 anos.
Mas a verdade é que a identidade de trapalhão cristalizou-se numa parte bem profunda da minha cabeça. De tal forma que, quase 30 anos depois, aqui estou eu a falar dela.
Ponto importante antes de continuarmos: a ideia deste texto não é pescar nenhum tipo de reconforto ou fazer terapia. Eu sou trapalhão, apressado, desajeitado e, às vezes, um bocadinho gago – e estou de pazes feitas com todo este cardápio.
Avançando. O ponto aqui é que o miúdo de 6 ou 7 anos, que estava proibido de usar tesouras, agora é pai. Pai de duas meninas que precisam que ele seja capaz de fazer as coisas que os pais fazem. Um pai que é um bocadinho trapalhão, mas que está a dar o seu melhor.
Dar o meu melhor. Não vou mentir, é um conceito que, às vezes, parece um bocadinho parvo. Parvo no sentido em que é (ou aparenta ser) absurdamente insuficiente. É difícil… desculpem, não é difícil, é impossível conseguir ser tudo o que o arquétipo de pai (ou mãe) em 2025 pretende ser.
- Devo estar presente. Em casa, no trabalho, onde quer que os meus amigos estejam.
- Devo manter-me informado e interessante nos 40 segundos que tenho para mim todos os dias.
- Devo ajudar as minhas filhas a serem as melhores versões de si próprias, sabendo que, inevitavelmente, as vou traumatizar de alguma forma.
- Devo saber quando ser rígido, mas nunca demasiado. Flexível, mas nunca permissivo.
- Devo garantir que comem bem: nada de açúcar, nada de processados, só comida saudável… mas também deixá-las ser crianças.
- Devo preparar-me para o futuro: poupar para a faculdade, mas também comprar brinquedos educativos, framboesas e mirtilos.
- Devo priorizar a minha família, mas também ter tempo para mim, sem parecer egoísta, mas sem me esquecer que a saúde mental importa.
- Devo manter-me saudável para elas, mas também trabalhar o suficiente, mas também estar disponível para brincar ao fim do dia.
Devo, devo, devo…
É um equilíbrio impossível. Impossível como pintar dentro de linhas.
Neste blog, vou tentar partir este elefante às postas e explicar, da perspetiva de um pai (a minha), como é que me sinto em relação aos desafios que vão surgindo. Desafios da parentalidade, da meia idade, da portugalidade, de tudo. No fundo, vou tentar perceber como é que se resolve um problema como o João. De forma atrapalhada porque, como concordaria a minha professora primária, nunca conheci outra.